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"Se abrissemos as pessoas, encontraríamos paisagens”

Atualizado: 19 de dez. de 2024


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... Vive dentro de mim a mulher cozinheira. Pimenta e cebola muito bem feito. Panela de barro. Taipa de lenha. Cozinha antiga toda pretinha bem cacheada de picumã. Pedra pontuda cumbuco de coco pisando alho e sal... (Cora Coralina)

Li essa frase provocativa recentemente enquando olhava um mural de recados por trás de um esqueleto anatômico no consultório do meu medico da família. Era uma citação da poetisa Maggie Smith, que mora em Ohio.

Esta frase nunca fez tanto sentido até eu fazer uma sessão com um terapeuta especialista em traumas.

 Eu estava ali diante dele com os pés fincados em uma almofada azul turquesa. 

Ele diz: Então, como você está agora? 


Eu respondo devagar, quase balbuciando minhas memórias. Fecho os olhos e volto ao Brasil no Sertão do Piauí, nas minhas origens. A contemplação interna reflete como um espelho a minha infância.

Se você me abrisse, encontraria uma menina descalça, com o nariz escorrendo, de calcinha e cabelo grudando na face. O chão é de uma terra branca com árvores secas, cactos  e tem um caminho que leva ao rio. 

Há duas casas no caminho, em uma delas é mais facil chegar porque é lá onde moro com meus pais, irmãs e irmãos. É uma casa  pintada de branco com janelas verdes. Tem um corredor lateral. À frente fica uma pequena igreja de tijolo sem reboco. Mamãe está no fogão preparando café. Tem um cesto de pão na porta e duas ou três garrafas de leite; ainda é cedo e ela não teve tempo de recolher. A outra casa é uma grande casa cercada por bosques, situada a cerca de trezentos metros de distância, no alto de uma colina íngreme onde mora uma família amiga dos meus pais. Eu podia  saltar entre as duas casas, subindo e descendo a colina. E para cima e para baixo explorando cada casa, do celeiro ao sótão.


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Que sensações essa lembranças causam no seu corpo?

  • A areia está quente e queima meus pés. Sinto o vento me impulsionando para frente, meu corpo é pequeno e frágil e de alguma forma qualquer vento  pode me levar. Agora meus pés estão ardendo. 

Abra os olhos, diz ele calmante - ainda arde? 

  • Está tudo bem, digo mexendo-me desconfortável no divã, posso sentar no chão? 

Ele estende duas mantas e duas almofadas no chão e senta comigo. 

-Melhor agora? 

Sim, este é o meu lugar, estou mais próxima da terra e meus pensamentos fluem melhor. 

-Como sente seu corpo? 

-Estou cheia de areia. Minha garganta está grossa por dentro, é um caroço que se forma quando chorar pode ajudar mas as lágrimas não vem. 


Por favor abra os olhos - o terapeuta me diz. Começo a chorar...

-Não quero voltar.. 

Senhora Weller, abra os olhos devagar...

Lagrimas escorrem pela minha face enquanto o terapeuta toca minha mão. 

Descanse, diz ele me apontando a cadeira


É dificil olhar nos olhos do Senhor Grundböck. Ele tem a alma nos olhos. Comprometido com seu trabalho, coloca profundo sentimentos no seu objetivo de descobrir a cura para nossos traumas.


Novamente após uma pausa para exercícios de respiração (Einatmen - einatmen) lá estou de volta. 


-Minha mãe está me chamando para almoçar... Ai Deus, onde estão meus chinelos? Eu já perdi trôcentos! (número com ideia de quantidade que jamais será exato) 


Saio correndo... Ando sempre correndo... Ouço a voz da minha mãe:-"Onde você estava?"Ela não espera pela resposta, ela nunca espera pela resposta, emenda uma pergunta em uma ordem ao mesmo tempo. Eu nunca sei se é para responder ou cumprir a ordem "Lave as mãos" 


Há uma esteira no chão onde meus irmãos e irmãs ja estão sentados e minha mãe se curva para entregar nossos pratos.


Depois do almoço mamãe diz que a partir de agora eu preciso me vestir. Existem um pequeno caroço estranho crescendo. Mamãe diz que são meus seios e que agora não poderei andar só de calcinha. "Pegue uma roupa. Você está ficando mocinha."Então começam as regras :" Sente direito, vista a roupa, pentei os cabelos, calce sapatos, mastique devagar e se prepare para crescer com bons modos"


Começam os olhares dos homens .. 

Eu estou com medo

Eu estou com raiva

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O terapeuta coloca as mãos abertas em sua frente em minha direção. - "Empurre minhas mãos. Empurre com força" 


Eu impulsiono toda a força das minhas emoções nas mãos contra as dele, é quase um um muro, uma fortaleza. 

“Estou com lanternas procurando por mim mesma” 


Reflexão:

Neste tempo eu perdi um pouco minha morada, perdi a sensação quente da terra e estou lutando para me sentir em casa, seja na minha casa real ou apenas no meu espírito, compreendendo que lar é o que carregamos por dentro.

É uma mudança brusca e terrível.

Existe dentro de mim todas as lembranças das minhas raízes A busca pelo meu meu novo eu é uma jornada desconfortável, não muito diferente de tropeçar em uma casa escura no meio da noite. 



Seus pensamentos, por favor. . .

Se abrissemos você o que encontraríamos?

3 Comments

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nianmatos
Nov 23, 2023
Rated 5 out of 5 stars.

Parabéns,! Vc é genial. Bjinhos 😘


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mg.sousa195956
Oct 26, 2023
Rated 5 out of 5 stars.

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mg.sousa195956
Oct 26, 2023
Rated 5 out of 5 stars.

Maravilha

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